O Tribunal Penal Internacional e o caso Putin
O Tribunal Penal Internacional (TPI) nasceu em Haia, Países Baixos, 1998 após diversas tentativas de cooperação internacional para punir crimes específicos. Sua importância repousa no julgamento de crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e dado ao fator ético cerca de 120 Estados comprometeram-se a favor da justiça com a assinatura do Estatuto de Roma.
Os únicos Estados que não ingressaram no Tribunal são os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia, e Israel, cujos quais o TPI não exerce jurisdição, visto que não houve a ratificação do Tratado pelos atores, entretanto apesar das declinações por causa de questões de defesa de soberania o Acordo internacional entrou em vigor a partir de 01 de julho de 2002.
O TPI possui personalidade jurídica internacional o que equivale ao status de quaisquer outras organizações internacionais, e sua competência emana da concordância dos Estados na aprovação, e ratificação do Estatuto de Roma em seus respectivos regimes jurídicos internos. É exatamente por isso que um Estado poderá dar ordem de prisão a um indivíduo com mandado expedido, e não pode abdicar da ação sob pretextos políticos.
No âmbito do Direito Internacional o TPI é uma inovação, pois é um mecanismo que permite o julgamento de sujeitos individuais e não o Estado propriamente dito. Os crimes julgados pelo TPI abrangem o genocídio (artigo 6), os crimes contra a humanidade (artigo 7), e os crimes de guerra (artigo 8), os quais podem receber acolhimento pelo Procurador após denúncia de qualquer Estado-parte com a apresentação de indícios dos supostos crimes (artigo 14).
O Procurador avaliará a questão e poderá recolher as informações que julgar pertinentes originárias de órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), organizações intergovernamentais ou não governamentais e depoimentos orais ou escritos. Cabe ainda ao Procurador a função de iniciar a abertura de investigação de caso específico, se houver a concordância dos juízes (artigo 15).
Na hipótese de fundamento da denúncia o Procurador, o qual é eleito pela Assembleia de Estados-partes por meio de voto secreto e maioria absoluta (artigo 42), entrará com um pedido de abertura de inquérito ao Juízo de Instrução, o qual abrirá o inquérito se compreender a existência de fundamento suficiente e cabível perante a legislação do Tribunal (artigo 15).
O caso em questão será levado aos juízes do TPI, os quais são eleitos, dentre outras qualidades, por pessoas de alta idoneidade moral e competência em matéria de direito penal, processual e internacional. A eleição é secreta e feita pela Assembleia dos Estados-partes com a aprovação de 18 nomes que obtenham a maioria dos votos, e uma maioria de 2/3 dos países-partes presentes e votantes (artigo 36).
A questão do Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e da Comissária para os Direitos das Crianças do Gabinete da Presidência da Rússia, Maria Alekseyevna Lvova-Belova, refere-se a acusação de crime de guerra, na qual ambos seriam responsáveis pela deportação ilegal de população (crianças) e pela transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia.
Os artigos de suposta violação ao Tratado de Roma por parte do Presidente Putin e da Comissária Lvova-Belova são: 8 (2) (a) (vii), 8 (2) (b) (viii), o 25 (3) (a), os quais descrevem-se:
“Artigo 8: 2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra": a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente [...] vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade”.
“Artigo 8 [...] b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos [...] viii) A transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território”.
“Artigo 25 [...] 3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável”.
Diante da perspectiva o Procurador Karim Khan notificou aos juízes Antoine Mindua, Tomoko Akane, e Rosário Aitala, de sua solicitação de abertura de investigação contra o Presidente Putin e a Comissária Lvova-Belova. As acusações versam sobre os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade, e possuem contexto no âmbito da ocupação de território ucraniano a partir de 24 de fevereiro de 2022.
Atualmente existe um mandado de prisão para o Mandatário russo e sua Comissária, o qual teve expedição pelo TPI na data de 17 de março de 2023 pelo TPI, cuja resultante impede viagens internacionais dos respectivos indivíduos para os países signatários do Acordo de Roma.
Entretanto a Federação Russa não é um Estado-parte do Tribunal, e afirma que os mandados são nulos, conforme destaque da Representante do Ministério de Relações Exteriores da Federação Russa, Maria Zakharova, a qual declara no Jornal Parlamentar: “As decisões do Tribunal Penal Internacional não têm significado para o nosso país, inclusive do ponto de vista jurídico. A Rússia não é parte do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e não tem obrigações ao abrigo do mesmo”.
Consoante os analistas percebe-se que a expedição do mandado de prisão para o Presidente russo e a Comissária Lvova-Belova são inconsistentes juridicamente. Ou seja, independentemente dos crimes terem sido praticados, ou não pelos atores não é o TPI o meio apropriado para aplicar punições, visto que é uma incoerência buscar atribuir uma Carta Internacional a um Estado não ratificante.
A questão aponta para uma compreensão de natureza política contra a Rússia, porém sem efeitos práticos diante das ocupações no território ucraniano, e parece ter o objetivo de sensibilizar a opinião pública internacional, à fim de produzirem um rechaço a Moscou por ter invadido a Ucrânia. Se essa é a estratégia por trás da decisão do TPI não é possível confirmar, todavia a mesma constitui-se em bom meio de reflexão ainda que as acusações possam não ser válidas.
Referências
Decreto 4.388 de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm
(Acesso em: 15.09.2023).
Situação na Ucrânia: Juízes do TPI emitem mandados de prisão contra Vladimir Vladimirovich Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova
https://www.icc-cpi.int/news/situation-ukraine-icc-judges-issue-arrest-warrants-against-vladimir-vladimirovich-putin-an
(Acesso em:15.09.2023).
Zakharova classificou a decisão do tribunal de Haia sobre Putin de “legalmente insignificante”
Disponível em: https://www.pnp.ru/politics/zakharova-nazvala-yuridicheski-nichtozhnym-reshenie-suda-v-gaage-po-putinu.html
(Acesso em: 15.09.2023).
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